Xi Jinping em Portugal e o novo quadro de cooperação sino-português Jorge Tavares da Silva, Investigador na unidade de Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP) e docente de Ciência Política e Relações Internacionais no Mestrado de Estudos Chineses da Universidade de Aveiro (Portugal).

In Análisis, Política exterior by Xulio Ríos

A visita do Presidente Xi Jinping a Portugal, nos dias 4 e 5 de dezembro de 2018, vem consolidar a política de cooperação bilateral, muito significativa desde a crise da dívida soberana. Apesar de a União Europeia ser prioritária para a diplomacia portuguesa, as ineficiências institucionais comunitárias demonstradas na fase da crise das dívidas soberanas, levou Lisboa a diversificar as suas relações externas. A verdade é que Portugal perdeu a centralidade no tradicional relacionamento com o Oriente, passando para um papel secundário nas dinâmicas euro-asiáticas. A UE deixou a relação com a China à liberdade de cada um dos atores europeus, tendo a Alemanha assumido a liderança no relacionamento com Pequim. Portugal procura agora revitalizar as relações com o gigante asiático, de forma a poder combater as suas debilidades estruturais. É neste sentido que entre 2008 e 2018, o investimento daquele país em Portugal atinge os nove mil milhões de euros, predominantemente em setores como a banca, os seguros e a energia. Muito significativa foi a aquisição em 2011 de uma participação de 21,35% da China Three Gorges (CTG) na EDP, por cerca de 2,7 mil milhões de Euros e no ano seguinte, a State Grid (SG), do mesmo grupo, com uma participação de 25% na REN, por aproximadamente 387 milhões de euros. A compra do capital da EDP foi noticiada pelos órgãos de comunicação social chineses, tendo em conta que se tratou da primeira grande aquisição externa num país europeu em plena crise da dívida soberana. Em 2012, é de referir a abertura de um escritório do Banco ICBC em Lisboa e no ano seguinte o Bank of China, bem como a inauguração de um centro tecnológico em Lisboa pela Huawei. Também a empresa chinesa Fosun, adquire uma participação de 80% na Fidelidade, na Multicare e na Cares (portefólio de seguros da Caixa Geral de Depósitos), por aproximadamente mil milhões de euros. Em 2016, a Hainan Airlines entra como acionista da TAP, companhia chinesa que entrou no capital do consórcio Atlantic Gateway que já tinha adquirido a companhia. O Grupo Fosun está igualmente interessado noutras aquisições, tal como o Novo Banco, mas também analisa oportunidades no turismo e setor alimentar a nível nacional. Outros investimentos importantes são a compra de 100% da Veolia Water Portugal pela Beijing Enterprises em 2012; a compra de 100% do BES investimento pela Haitong em 2014. Em 2014, Portugal já era o país o da UE com maior capacidade de atração de capital com origem chinesa, em termos proporcionais. Também o comércio bilateral tem vindo a aumentar, embora permaneça relativamente modesto, havendo boas oportunidades para a sua intensificação. A China é atualmente o 13º Cliente para as exportações portuguesas e o 6º fornecedor, resultando numa balança comercial negativa para Portugal. De acordo com dados do AICEP, em 2016, o défice foi de 880,7 milhões de euros. Não deve ser descorado, igualmente, o potencial da China como emissor turístico. em 2017, visitaram Portugal 256,735 turistas chineses, subindo 40,7% em relação ao ano anterior. Estima-se que este valor possa aumentar nos anos subsequentes, acompanhado a boa imagem que Portugal tem neste domínio.

Após a primeira vaga de fluxos financeiros, que contribuíram para a estabilidade da economia portuguesa, procura-se agora a consolidação da presença chinesa em Portugal. A ideia é aproveitar o impulso de trading state, ancorado na revigoração do orgulho nacional por Xi Jinping, e dos grandes projetos geoeconómicos. Um dos objetivos é conseguir alongar a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” até à costa portuguesa, particularmente ao porto de Sines. Discute-se também a possibilidade de haver investimentos no porto de Leixões e na modernização da linha ferroviária. A relativa saturação do porto de Roterdão, na Holanda, pode motivar o desenvolvimento de alternativas a partir de Portugal. Neste caso, importa igualmente notar a abertura do novo Canal do Panamá, inaugurado em 2016, o qual está a mudar o comércio marítimo mundial. O alargamento do canal permite agora transportar navios com capacidade até 13 mil contentores, muito aliciante para as exportações chinesas. Naturalmente que os portos nacionais podem sair valorizados, através do aumento do tráfego anual, particularmente o porto de Sines através da ampliação do seu terminal de contentores.

No domínio político, em consonância com a cooperação económica, as relações bilaterais também estão num bom momento, que a visita de Xi Jinping a Portugal vem agora confirmar. Lembra-se que a candidatura de António Guterres a Secretário-geral das Nações Unidas em 2016 foi apoiada por Pequim, um dos membros permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A memória histórica foi importante, tendo em conta que António Guterres era o primeiro-ministro na transição de Macau para a China, que decorreu com normalidade. De notar que, em setembro de 2016, o ministro dos negócios estrangeiros português, Augusto Santos Silva, aproveitando uma escala do primeiro-ministro chinês na ilha terceira, deslocou-se à ilha para o cumprimentar. Gesto diplomático importante que reforçou a candidatura portuguesa e ajudou a fortalecer os laços diplomáticos. Também o Primeiro-ministro António Costa, juntamente com o Ministro da economia, visitaram oficialmente a China em 2016, já desenvolvendo esforços para a captação do investimento chinês.

Naturalmente que a presença da China em Portugal não se processa apenas pela via económico-financeira, mas também pela promoção cultural e linguística. Em 2015, por exemplo, Liu Qibao, responsável pela propaganda do PCC, em conjunto com uma comitiva de 21 pessoas, esteve em Lisboa, precisamente, a desenvolver contactos sobre cooperação cultural, reunindo-se com o então Primeiro-ministro Passos Coelho e António Costa, o Primeiro-ministro posterior. No mesmo sentido, com vista a reforçar o seu soft power, de promoção de imagem no exterior, a China decidiu lançar a partir de 2004 uma rede internacional de Institutos Confúcio (IC) de forma a impulsionar a cultura e a língua chinesa, na mesma linha de, por exemplo, da rede do British Council. Ao fim de três anos já estavam abertos mais 140 em 36 países e em 2015 há cerca 450 institutos distribuídos por 120 países, incluindo 100 nos Estados Unidos. Portugal conta com três IC, um na Universidade de Lisboa (Lisboa), outro na Universidade do Minho (Braga) e na Universidade de Aveiro (Aveiro). O IC é coordenado pelo Gabinete do Conselho Internacional do Ensino Chinês, conhecido por Hanban, que tem a função de gerir a rede de IC no mundo. A abertura dos institutos parte de uma parceria com universidades de prestígio no local de acolhimento, beneficiando estas de formação financiada por Pequim. Neste processo, muitos estudantes chineses a estudar no estrangeiro receberam bolsas e, em sentido contrário, muitos portugueses, através destas instituições, puderam participar em programas de visita e estudo na China. Para o Governo chinês, trata-se de uma oportunidade para promover o país, visando um reforço das ligações ao exterior e a oportunidade de aprendizagem de culturas, realidades políticas e sociais diferentes. De notar, no entanto, que os IC não estão isentos de alguma controvérsia, uma vez que na sua essência não são instituições livres de pensamento, emanando diretrizes governamentais. Nos Estados Unidos têm-se verificado vários incidentes devido à forma centralizadora e pouco democrática com que funciona a instituição. A verdade é que cooperação ao nível do ensino é muito importante para as autoridades chinesas, há milhares de alunos estrangeiros a estudar na China e milhares de chineses a estudar no exterior. Nos EUA registam-se são mais de 50 000 os estudantes do ensino primário e secundário que estudarem mandarim. Segundo o Ministério da Educação Chinês estão previstos mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo a estudar a língua oficial chinesa. Não deve ser esquecido que na China há 25 universidades com licenciatura em língua portuguesa, alguns dos quais prosseguem os seus estudos em universidades portuguesas. Em Portugal, tem crescido o número de estudantes a estudar mandarim. O caso mais conhecido fica no Município de São João da Madeira, o único do país onde o chinês é uma disciplina curricular no 1.º ciclo e facultativa no 5.º ano. Trata-se de um projeto pioneiro que envolve certa de 700 alunos e que prevê continuidade até ao final dos estudos secundários. O projeto começou no ano letivo de 2012/13 e conta com a coordenação da pela Universidade de Aveiro, sendo monitorizado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC). A iniciativa de ensinar mandarim em S. João da Madeira já foi abordada por algumas cadeias de informação internacional como a France Presse e a BBC Radio.

Em relação à presença portuguesa na China nos dias de hoje, esta tem vindo a aumentar, embora de modo lento. O número de portugueses na China mantém-se reduzido, serão pouco mais 1000, excluindo Macau. Segundo dados da Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, com base em informação concedida pela Embaixada e Consulado portugueses na RPC, em 2003 residiam naquele país 150 portugueses ou luso-descendentes, enquanto cinco anos depois esse número mais do que duplicou, chegando aos 350. Pequim é a cidade com a maior comunidade portuguesa, a qual engloba sobretudo funcionários da embaixada, estudantes, empresários e quadros de empresas. Muitos destes portugueses, que em média têm menos de 40 anos, desenvolvem atividades liberais, incluindo advocacia, gestão, arquitetura, docência, etc. Curiosa é a residência de cerca de 100 treinadores de futebol a trabalhar naquele país.

De um ponto de vista analítico, há a referir que as relações Portugal-China contemporâneas são assimétricas, tanto pela dimensão dos países em causa, pelas diferentes dimensões económicas e políticas, mas também na própria na reciprocidade das condições de acesso ao mercado. Os 17 acordos assinados aquando da Visita de Xi Jinping a Portugal parecem ficar um pouco aquém do esperado, pese os discursos de cordialidade entre as partes. As áreas abrangidas incluem cooperação no domínio do comércio, serviços e atividades culturais. As assinaturas dos memorandos de entendimento, incluindo a cooperação no quadro da Nova, refletem apenas celebrações de intenções, ficando as promessas de envolvimento da China em grandes projetos por se concretizar. Importa referir que embora o investimento chinês seja benéfico para as necessidades de prementes de estabilidade da economia portuguesa, podem hipotecar a médio/longo prazo os interesses estratégicos portugueses. Importa destacar a intenção de estabelecer em Portugal um Laboratório de Pesquisa de Tecnologia Avançada nos domínios do Mar e do Espaço. Há muito que se discute o possível interesse da China nos Açores, particularmente desde 2012, quando os Estados Unidos anunciaram a redução dos efetivos na Base das Lajes, e, na mesma altura, o então primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, faz uma escala de cinco horas na ilha. A Base das Lajes foi central na política externa portuguesa, no quadro de segurança da NATO, particularmente durante a Guerra Fria, mas foi perdendo importância estratégica. Em 2014, Presidente chinês Xi Jinping também passou pela ilha, na altura recebido por Paulo Portas, e em 2016, foi a vez do Primeiro-ministro Li Keqiang. Este, pernoitou na Ilha Terceira e passeou-se pelo território. Delegações chinesas têm visitado a ilha com vista à avaliação das condições de investimento. Já em 2013, dois elementos da embaixada da China em Portugal – Yong Ning Chen, conselheiro científico, e Li Bin, secretário da embaixada da China – visitaram os Açores com vista a uma eventual criação de um centro de investigação luso-chinês, envolvendo a Universidade dos Açores, esta instituição muito ligada às Ciências do Mar.

A política externa americana da era de Donald Trump acaba por contribuir para o reforço das relações da Europa com a China e particularmente as relações sino-portuguesas. O interesse da China nos domínios marítimos segue ao encontro dos objetivos chineses de ascensão a potencia mundial, superando os Estados Unidos. A verdade é que as condições que a China obtém de uma Europa frágil não são reciprocas. Refere o relatório EU-China FDI, elaborado pelo Mercator Institute for China Studies, enquanto a Europa se está a tornar o destino favorito para o investimento chinês, a China é um dos países do mundo com maiores entraves ao investimento no seu território. O gigante asiático continua a limitar o acesso a empresas estrangeiras em determinados setores, para além de prestar informação assimétrica. Se uma empresa portuguesa pretendesse adquirir uma empresa chinesa no setor da energia, provavelmente não o conseguiria fazer. Importa ainda esclarecer que o investimento chinês resulta da ação de empresas estatais, dirigidas pelo Estado, e não obedece propriamente a dinâmicas de mercado livre. Do ponto de vista das relações internacionais, a China assume a sua posição de potência hegemónica regional, procurando superar a hegemonia internacional americana, não em confrontação direta, mas através de uma estratégia de trading state, no desenvolvimento de redes de negócios e, entre outras, infraestruturas marítimas. Repare-se na entrada de investimento chinês em muitos portos do sul da Europa, particularmente o porto de Pireu, na Grécia, num fenómeno que Philippe Corre apelida globalmente de “ofensiva na Europa”. Neste processo, importa notar que Portugal, é somente mais uma peça do puzzle.

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