Há pouco mais de um ano atrás, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, afirmara que “A China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil”. Defensor de uma linha neoconservadora e nacionalista, e alinhado com a política externa do Governo de Donald Trump, Bolsonaro prometeu revisar acordos, diminuir a influência econômica chinesa no país, e chegou mesmo a esboçar uma saída do BRICS. Membros do partido PSL, ao qual o presidente fazia parte, foram convidados pelo governo chinês para uma visita breve a China, logo após a sua vitória nas eleições. Embora tenham apontado favoravelmente para a continuidade dessas relações, receberam críticas duras de parte dos apoiadores do novo governo, sendo mesmo acusado de “traidores”.
O cenário realmente parecia não ser dos melhores. Após mais de uma década de parceria sólida com o Brasil, no ano de 2017, o volume de investimentos caiu 66%, por conta das incertezas geradas pela postura política do novo governo. O Ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que o Brasil não «venderia sua alma» para «exportar minério de ferro e soja» para a “China comunista”.
Hoje, contudo, o cenário parece bem diferente. O pragmatismo dos números parece ter superado a divergências ideológicas. A capital do país, Brasília, se prepara para receber a X cúpula dos BRICS, dando uma sobrevida a essa importante aliança internacional. De acordo com todas as declarações feitas recentemente, há uma grande esperança, por parte do governo brasileiro, que os chineses aumentem novamente seu volume de investimentos no Brasil. A informação de que a China se tornou um dos dez maiores investidores no país [mesmo com a acentuada queda em 2017] foi saudada com alegria, sendo vista como uma importante alternativa para diminuir a crise econômica que tem debilitado a sociedade brasileira, com altos índices de desemprego e quedas na produção e nas vendas. O próprio presidente já se manifestou, de maneira clara, sobre sua intenção de vender importantes ativos nos setores de serviços, infraestrutura, energia, petróleo e minérios para os chineses, numa reversão total de sua postura anterior.
A cúpula dos BRICS representa, portanto, um importante desafio para o contexto das relações China – Brasil. O grupo BRICS surgiu como um importante alinhamento de nações emergentes, no cenário internacional, criando um novo tipo de cooperação econômica e política Sul-Sul. Intelectuais chegaram a propor que os BRICS realizaram, de certa maneira, a proposta da Conferência de Bandung em 1955, criando uma alternativa a geopolítica euro-americana. A ascensão de Jair Bolsonaro a presidência significou uma guinada rumo ao neoconservadorismo de direita, implicando num apoio tácito as pretensões dos Estados Unidos em estabelecer uma nova política de equilíbrio para o mundo. Todavia, o Brasil não ganhou praticamente nada com essa virada. A indicação para a OCDE, grande pretensão do atual governo, se viu esvaziada pelo apoio dos Estados Unidos à Argentina. Não houve qualquer movimento significativo do governo Trump em elaborar um acordo mais proveitoso para o Brasil. Ficou evidente para os mais diversos setores da sociedade brasileira que, apesar do novo alinhamento ideológico, o governo atual pouco conseguiu, de seus aliados internacionais, para encontrar uma solução da crise que o país atravessa.
Essa situação foi responsável por renovar o interesse na relação com os RICS, principalmente a China. Nos últimos encontros realizados, divergências entre os representantes brasileiros e as equipes de Índia e África do Sul tem ficado mais evidentes. A atuação russa tem sido bastante discreta e cautelosa. Tanto por questões ideológicas quanto por discussões de ordem econômica, os últimos fóruns paralelos à cúpula ficaram marcados, inclusive, por uma notável ausência de equipes de primeiro escalão. As representações brasileiras manifestaram a ausência de agentes especializados em estudos asiáticos – embora o Brasil já disponha de alguns especialistas em Relações Internacionais muito bem qualificados para essa tarefa.
A nova cúpula, porém, marca uma virada nesse panorama. Xi Jinping está assumindo um papel de liderança junto aos BRICS, tanto pela disponibilidade dos investimentos chineses quanto pelo planejamento econômico integrativo que faz parte de suas propostas. Os planos chineses – notadamente, aqueles ligados a “Rota” e ao “Cinturão” – constituem um atrativo importante para reorganização econômica tanto dos BRICS quanto dos países próximos [principalmente na África e América], prometendo uma nossa espécie de “globalização”, porém mais bem orientada e organizada. Nesse sentido, os possíveis investimentos estruturais parecem uma resposta perfeita para a crise econômica do país. A relação entre os dois países ainda é de superávit para o Brasil. Grupos ligados aos agronegócios e a privatização das empresas estatais são amplamente favoráveis à presença dos capitais chineses. O pragmatismo foi capaz, enfim, de vencer as barreiras ideológicas.
Todavia, o presidente Jair Bolsonaro terá que reconquistar a confiança perdida com as desastrosas afirmações de campanha. Terá que provar, igualmente, que o Brasil de mantém seguro e estável para a continuidade dos investimentos chineses. Por fim, precisará assegurar que seu governo seguirá uma linha política minimamente independente: afinal, é provável que os chineses nunca vão exigir que o Brasil diminua seus laços com os Estados Unidos, mas o país precisa necessariamente reforçar seu apoio a aliança Sul-Sul dos BRICS.
Tais considerações irão nortear esse importante encontro. A cúpula dos BRICS não será apenas um balcão de vendas, como alguns críticos brasileiros supõem; mas as decisões fundamentais a serem tomadas podem não apenas salvar a economia brasileira como também, podem reorientar, mais uma vez, o quadro das relações internacionais em um futuro próximo. Aguardemos as discussões dos próximos dias.