Terminou, com inequívoco sucesso, em Joanesburgo, na África do Sul, a 15ª Cimeira do Brics (composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ficará para a história, como elemento mais decisivo, a aprovação do seu alargamento. Na reunião foi aprovado o documento que define os critérios para o seu alargamento, mas os cinco chefes de estado foram mais longe ao convidarem já seis países de três continentes: a Argentina, na América do Sul; o Egito e a Etiópia, na África; a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Irão, na Ásia meridional. Estes países passarão, em 1 de janeiro de 2024, a fazer parte do Brics num total de onze países. Para além de conquistar a presença de três dos mais importantes produtores e exportadores de petróleo e de gás do mundo, os países do Brics conseguiram um facto civilizacional, absolutamente extraordinário, ao ter unido algumas das civilizações mais antigas e significativas do planeta, nomeadamente, a civilização Chinesa (a única que mantém a continuidade entre a civilização antiga e o país atual), a civilização Russa, a Indiana, a Persa, a civilização Árabe, as antigas civilizações de África (Egito e Etiópia) e a do Mundo Latino-Americano.
O segundo grande objetivo concretizado nesta cimeira foi o de aprofundar a cooperação entre os seus membros e dar voz e visibilidade, como nunca antes tinha sido feito, aos países do Sul Global. Podemos registar que mais de 40 países expressaram o seu interesse em integrar no Brics e 22 países submeteram pedidos concretos de adesão formal. O presidente Vladimir Putin referiu que fará parte da sua presidência, em 2024, trabalhar para o alargamento do Brics a outros países já inscritos.
A cimeira recusou uma estratégia de confrontação com os países desenvolvidos (o Ocidente neoliberal, com cerca de 12% da população mundial, dirigido, de forma hegemónica pelos EUA que representam pouco mais de 4% da população do planeta). Os países em desenvolvimento (o chamado “Sul Global”), totalizam cerca de 88% da população mundial e veem com grande esperança o Brics. Os cinco estados têm vindo, ponderadamente, a conciliar entre si a estratégia de trabalharem e cooperarem para a urgente reforma das instituições da governança internacional global, de forma a trazer maior clareza, transparência e decisões mais democráticas que respondam aos reais desafios globais da humanidade: as alterações climáticas, a paz e a fome (a redistribuição injusta dos recursos produzidos no planeta é, em grande parte, responsável por uma em cada seis pessoas do mundo passar fome).
Para fazer face a estes desafios, o Brics defende um reforço da coordenação macroeconómica e um planeamento sustentável, nomeadamente da agricultura, que permita garantir a segurança alimentar, pois os países do Brics produzem um terço da produção alimentar mundial.
Expressaram, também, a preocupação e a necessidade de se reformarem as estruturas do sistema económico e financeiro global, decorrente da II Guerra Mundial – Bretton Woods, como a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional. O Brics denuncia a utilização unilateral destas estruturas para manipulação das relações económicas e geoestratégicas a favor da escassa minoria de países desenvolvidos, mantendo os restantes em situação de subdesenvolvimento.
O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, destacou que os países integrantes do Brics tiveram um expressivo desenvolvimento na última década, contribuindo para um quarto da economia global, um quinto do comércio global e 40% da população mundial. Em 2022, o comércio entre as nações do Brics totalizou US$ 162 biliões. Ramaphosa alertou ainda para a nova onda de protecionismo e de utilização dos meios financeiros como uma arma contra outros países que são incompatíveis com as regras da Organização Mundial do Comércio.
A cimeira alertou também para a importância do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelo Brics em 2015, com capacidade para mobilizar recursos financeiros (sem condicionalismos políticos) para o investimento em infraestruturas e o desenvolvimento sustentável das economias emergentes.
Foi, ainda, aprovada a utilização das moedas nacionais nas trocas comerciais e financeiras entre os membros do Brics. O presidente do Brasil foi um pouco mais além, ao defender a criação de uma moeda comum para as relações comerciais entre os membros do grupo e as economias emergentes, sem pôr em causa as moedas de cada um dos países, como forma de maior autonomia face à instabilidade do dólar e do seu uso unilateral para pressionar outros países. Lula da Silva referiu ainda que considera necessário não depender exclusivamente do dólar, pelo que o Brasil estudará a possibilidade de utilizar o Yuan nas suas relações com a Argentina.
O Brics adotou, igualmente, as propostas do presidente da China, Xi Jinping, que para além de dar voz aos países do Sul Global, defendeu que o Brics se empenhasse numa nova visão comum sistemática, multilateral, cooperativa e sustentável, exercendo um papel decisivo na economia, finanças e comércio mundiais, mas sem esquecer o seu papel coletivo responsável e ponderado para a segurança universal, no respeito pelas leis internacionais das Nações Unidas. Baseada em parcerias de ganho comum (win-win) partilhado, que se oponham às barreiras e sanções unilaterais levantadas ao fluxo comercial por alguns países desenvolvidos, bem como a necessidade de recusa do espírito de guerra fria e de soma zero.
A grande vantagem do Brics é a sua consciência da necessidade de um mundo multipolar, com a cooperação multilateral entre os seus membros e com as outras economias emergentes, no processo de construção mais equilibrada de uma governança global mais justa. O Brics estabeleceu dentro da sua organização uma aliança de mulheres e um fórum para a juventude.
O Brics considerou a Organização das Nações Unidas como fundamental ao Sistema de Relações Internacionais, pelo que propõem o seu reforço, através da reforma do seu Concelho de Segurança, com a inclusão de uma maior representatividade dos países em desenvolvimento. O Brics valorizou igualmente a liderança do G20 como fórum multilateral para a cooperação económica e financeira internacional.
Como única estratégia para a resolução dos conflitos internacionais, o Brics advoga o diálogo à mesa de negociações, seja no Níger, na Líbia e no Sudão onde devem ser mediadores a ONU e a União Africana. Advoga uma negociação política e diplomática para a solução da crise da Síria e do Irão. Quanto ao conflito na Ucrânia o Brics declara apreciar as “propostas de mediação” incluindo uma missão africana de manutenção de paz.
A hegemonia de alguns países desenvolvidos sobre os restantes não terminou, mas o alargamento do Brics (agora com 11 e mais a partir de 2024), bem como o aprofundamento da cooperação entre os seus membros (com partilha entre culturas de civilizações diferentes) permitem que surja uma nova esperança de maior justiça, inclusão, equidade, transparência e decisão mais democrática em nível internacional.
Urge que todos concentrem esforços no combate aos verdadeiros problemas da humanidade – as alterações climáticas, a fome e a real procura da paz.